Você já parou um instante para admirar a beleza frágil de uma planta? Ainda que por um breve instante, já descobriu-se fascinado pela maravilha de um pôrdo- sol? Ok. Se já experimentou algo assim, entenderá melhor o que digo. O viço da folha e a pintura delicada das nuvens no horizonte são imagens perfeitas daquilo que atrai a mente humana justamente por sua exuberância, pela beleza que parece ultrapassar todos os limites. Essa é uma definição possível para luxo, algo que encanta por situar-se além do que é simplesmente útil e necessário.
A exuberância da folha e da nuvem, contudo, é o luxo dentro de si mesmo, autêntico, único, verdadeiro. Sua existência e sua imagem não têm nada de supérfluos. Testemunhar o sol nascendo e se pondo é gênero de primeira necessidade em nossas vidas. E é luxo, ao mesmo tempo. Assim como reverenciavam o Sol em culturas do passado,homens e mulheres vivem querendo apoderar-se de algo belo, intenso e intangível. Iludem-se com a idéia de arrebatar o fogo que está nas mãos dos deuses e tornarem-se eles próprios algo que esteja para além do humano. Sonham com o dia em que irão engarrafar e colecionar alvoradas e entardeceres.
Há algo desse sentimento no nosso fascínio pelo luxo.O que difere, talvez, seja o que nós vemos como luxo para nós mesmos e o que enxergamos nos outros. Acreditamos que nossas próprias escolhas são mais aceitáveis e defensáveis do que as dos demais. De que sempre estamos falando de algo autêntico, enquanto a preocupação dos outros é pura fachada, embalagem, ostentação.Alguém já disse que a diferença entre o luxo e a necessidade depende do que seu vizinho tem e você não.
Assim,sem correr o risco de ser frívolo, já que as escolhas erradas são as dos outros, registro meia dúzia de coisas que considero luxo autêntico. Começa pelo insubstituível pudim de leite, cheio de furinhos, que minha mãe fazia. Passa pelo desfile da Mangueira na Marquês de Sapucaí, pela mulata que quando dança é luxo só e pelo pandeiro que serve de auxílio luxuoso. Inclui a memória do sabor daquele feijão com leite de coco que comi numa praia da Bahia. É a própria sandália havaiana em seu modelo mais básico, um dos calçados que mais nos aproxima da experiência de andar descalço luxo e virtude que até a Nike persegue com muito investimento e tecnologia.Fiquemos de olho na possibilidade de andar descalço, essa sim, uma experiência sublime nestes dias de sapatos tão apertados.
Palavra gasta, luxo é freqüentemente confundido com ostentação.Às vezes até funciona para que alguém compre um passado respeitoso ou use sua grana para fazer sua grama parecer mais verde que a do vizinho.Pura ilusão. Que fique combinado: não é disto que estamos falando aqui. Falamos é de exuberância e de esplendor. Algo que pode estar no vigor da planta, na vista do pôr-do-sol e na sensação de liberdade que só se tem com os pés descalços. Epicuro, o filósofo da simplicidade, que acabou sendo transformado em sinônimo de produtos supérfluos, ensinava, sabiamente, que nada bastará àquele que é incapaz de ter bastante com o pouco. Esse é um saber necessário. Portanto, um luxo.
Caco de Paula é jornalista e acredita que não há luxo mais necessário do que a simplicidade. homemdebem@abril.com.br
http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/041/caminhos/conteudo_237312.shtml
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